sábado, 1 de fevereiro de 2014

Aniversários

Celebração de mais um ano de vida é a celebração de um desfazer, um tempo que deixou de ser, não mais existe. Fósforo que foi riscado. Nunca mais acenderá. Daí a profunda sabedoria do ritual de soprar as velas em festa de aniversário. Se uma vela acesa é símbolo de vida, uma vez apagada ela se torna símbolo de morte.

Ai eu pensei se não deveríamos inverter o ritual. Na sala escura e 
silenciosa um fósforo é riscado e uma vela é acesa - vela que nenhum sopro vai 
apagar, e que vai ficar brilhando por todo o tempo que durar a festa. Com o 
acender da vela explode a alegria, não pelos anos que foram desfeitos, mas por 
aqueles que estão à espera para ser vividos. Ao invés de soprar a vela, acender 
a vela...
E imaginei que cada pessoa deveria ter uma vela - a sua vela, vela que 
não se compra em pacotes, pois cada vida é única, diferente de todas as demais. 
A vela teria que ser feita, bem devagarinho, gota a gota, seguindo o ritmo do 
corpo que vai se formando dentro do corpo da mãe, célula a célula. Todos os que 
a amassem poderiam ajudar. Cada um que quisesse poderia derramar a sua cera 
derretida no corpo da vela, que iria crescendo, do lado de fora, enquanto a 
criancinha estava crescendo do lado de dentro.
Esta vela seria mais que uma vela. Seria uma oração. 
Teria uma estória. Teria um nome. Cada vela é um desejo de luz e de calor. Cada 
vela é um reconhecimento de que, para dar luz e calor, é necessário não ter 
pena do próprio corpo. A vela vive morrendo. Quem faz uma vela medita sobre a 
beleza e a tristeza da vida. E, com isto, aquele que a faz fica mais sábio. E 
que coisa melhor se pode oferecer a uma criança por nascer que a sabedoria 
daqueles que já nasceram?
A vela seria um testemunho dos desejos dos que já vivem, oferecidos 
àquele que irá viver. Os desejos iriam dizer como a vela iria ser.
Há velas esguias que desejam subir: sonhos alados. Outras, redondas, são 
frutos encantados: sonhos de prazer. Dádivas luminosas aos olhos, são também 
dádivas perfumadas, delícias para o nariz. Que perfume deverá desprender ao se 
queimar? Canela? Jasmim? Cravo? Pêssego? As velas acariciam o corpo mesmo 
quando os olhos se fecham. E as suas cores dirão das cores dos desejos daqueles 
que as fizeram. Pois a alma é colorida...
E quando a mãe der à luz o seu filho que chorará o seu primeiro choro de 
vida, a sua vela será acesa, e dará também a luz, como a mãe, e derramará a sua 
primeira lágrima, na cera derretida que escorre pelo seu corpo.

A cada aniversário que se celebrar a vela sairá do seu lugar, cada vez 
menor, para ser de novo acesa, repetindo a eterna lição de que, se é verdade 
que a vida se apaga facilmente com o sopro de um vento, é verdade também que 
ela se acende de novo ao ser tocada pela chama...
Texto de Rubem Alves 

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