Celebração de mais um ano de vida é a celebração
de um desfazer, um tempo que deixou de ser, não mais existe. Fósforo que foi
riscado. Nunca mais acenderá. Daí a profunda sabedoria do ritual de soprar as
velas em festa de aniversário. Se uma vela acesa é símbolo de vida, uma vez
apagada ela se torna símbolo de morte.
Ai eu pensei se não deveríamos
inverter o ritual. Na sala escura e
silenciosa um fósforo é riscado e uma vela
é acesa - vela que nenhum sopro vai
apagar, e que vai ficar brilhando por todo
o tempo que durar a festa. Com o
acender da vela explode a alegria, não pelos
anos que foram desfeitos, mas por
aqueles que estão à espera para ser vividos.
Ao invés de soprar a vela, acender
a vela...
E imaginei que cada pessoa deveria
ter uma vela - a sua vela, vela que
não se compra em pacotes, pois cada vida é
única, diferente de todas as demais.
A vela teria que ser feita, bem
devagarinho, gota a gota, seguindo o ritmo do
corpo que vai se formando dentro
do corpo da mãe, célula a célula. Todos os que
a amassem poderiam ajudar. Cada
um que quisesse poderia derramar a sua cera
derretida no corpo da vela, que iria
crescendo, do lado de fora, enquanto a
criancinha estava crescendo do lado de
dentro.
Esta vela seria mais que uma vela. Seria
uma oração.
Teria uma estória. Teria um nome. Cada vela é um desejo de luz e
de calor. Cada
vela é um reconhecimento de que, para dar luz e calor, é
necessário não ter
pena do próprio corpo. A vela vive morrendo. Quem faz uma
vela medita sobre a
beleza e a tristeza da vida. E, com isto, aquele que a faz
fica mais sábio. E
que coisa melhor se pode oferecer a uma criança por nascer
que a sabedoria
daqueles que já nasceram?
A vela seria um testemunho dos
desejos dos que já vivem, oferecidos
àquele que irá viver. Os desejos iriam
dizer como a vela iria ser.
Há velas esguias que desejam
subir: sonhos alados. Outras, redondas, são
frutos encantados: sonhos de
prazer. Dádivas luminosas aos olhos, são também
dádivas perfumadas, delícias
para o nariz. Que perfume deverá desprender ao se
queimar? Canela? Jasmim?
Cravo? Pêssego? As velas acariciam o corpo mesmo
quando os olhos se fecham. E
as suas cores dirão das cores dos desejos daqueles
que as fizeram. Pois a alma
é colorida...
E quando a mãe der à luz o seu
filho que chorará o seu primeiro choro de
vida, a sua vela será acesa, e dará
também a luz, como a mãe, e derramará a sua
primeira lágrima, na cera
derretida que escorre pelo seu corpo.
A cada aniversário que se celebrar
a vela sairá do seu lugar, cada vez
menor, para ser de novo acesa, repetindo a
eterna lição de que, se é verdade
que a vida se apaga facilmente com o sopro
de um vento, é verdade também que
ela se acende de novo ao ser tocada pela
chama...
Texto de Rubem Alves
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